Aqui se encontra um questionário feito ao meteorologista Diamantino Henriques, a que respondeu favoravelmente. São respostas em primeira mão que hoje, mais do que nunca, são úteis para os açorianos.
PERGUNTA MAIS CURIOSA
Este outono e inverno tivemos
situações meteorológicas não muito comuns: tivemos um dilúvio ocorrido no
Nordeste, em setembro de 2015; tivemos uma tempestade de vento com rajadas
máximas entre os 130 e os 140 km/h; vivemos um dezembro extremamente chuvoso,
com algumas estações de São Miguel a acumularem cerca de 530 mm; temos tido
dias consecutivos de chuva e vento… Será isto tudo devido ao “El niño”, que já
é por alguns cientistas considerado o “mais forte do último século”?
Neste
período podemos considerar dois fenómenos que contribuíram positivamente para o
mesmo efeito: o aquecimento global e o fenómeno El Niño. O primeiro é uma
tendência de longo prazo que está presente sempre, isto é, nas situações
extremas e nas restantes. O segundo resulta da variabilidade natural do clima e
não tem a ver com o aquecimento global causado pelo aumento dos gases com
efeito de estufa. O fenómeno El Niño não é periódico mas recorrente e os
efeitos à distância (teleconexões) normalmente não chegam a ultrapassar os
trópicos. No entanto, o fenómeno deste ano tem sido excecionalmente forte. O
aquecimento global pode ter amplificado os efeitos a distância do El Niño,
tornando-os mais significativos nas regiões das latitudes subtropicais, como os
Açores e médias como as ilhas britânicas. Fisicamente, isto pode ser explicado
pelo aumento de vapor de água na atmosfera, decorrente do aumento de
temperatura e a necessidade da atmosfera transporte dos trópicos em direção aos
pólos, para restabelecer o equilíbrio. Uma maior quantidade de vapor de água na
atmosfera (água precipitável) que entre na frente polar deverá resultar em
maior quantidade de precipitação de inverno, precisamente nas regiões
subtropicais e latitudes médias.
PERGUNTA MAIS PRÁGMÁTICA
De acordo com as previsões de
médio/longo prazo, é possível antever alguma mudança de padrão em relação ao
tempo invernoso que temos tido quase todos os dias, ultimamente?
Ao
contrário das regiões tropicais, as regiões subtropicais como os Açores são
muito dinâmicas e dificilmente as previsões a longo prazo (mais de 10 dias) são
consistentes e por isso menos previsíveis. No entanto, é provável que quando o
El Niño termine o sistema volte gradualmente ao “normal” .
Quais as principais diferenças
entre o modelo GFS e o modelo AROME? E qual o que considera mais relevante para
a realidade dos Açores?
O GFS é um modelo global, ou seja, que representa a totalidade do globo, com uma resolução horizontal de 28 km. Por isso, os processos físicos com escalas espaciais inferiores (nuvens convectivas, precipitação orográfica em ilhas como os Açores, etc) não poderão ser corretamente representados. O AROME é um modelo de escala limitada, isto é, corre em domínios espaciais limitados (Portugal Continental, Madeira e Açores), e cujas condições iniciais e fronteira têm origem num modelo global (ALADIN). O AROME tem uma maior resolução horizontal que o GFS (2.5 km), podendo assim representar melhor os fenómenos cuja escala espacial é inferior a 28 km e inferior a 2.5 km. Por exemplo, o efeito da orografia das ilhas na formação de nuvens e de precipitação é possível no AROME, mas não no GFS. No entanto, os resultados dos modelos de escala limitada como o AROME são pouco estáveis no tempo e por isso a sua validade não vai além das 48 h.
PERGUNTA MAIS ESPECÍFICA
Com um CAPE inferior a 30 e um
Lifted Index cerca de 15, no Grupo Ocidental (previsto no GFS para a noite de
dia 11 de janeiro), como foi possível a ocorrência de precipitação pontualmente
forte? Que fatores estiveram na origem deste evento, se ao nível da
instabilidade parecia não haver qualquer indício?
O
CAPE e o LI são índices de instabilidade. Instabilidade não significa
precipitação de per si. Para ocorrer
precipitação é necessário dois ingredientes: movimentos verticais e
vapor de água. A instabilidade apenas ajuda.
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